sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Micróbios


Ouvi dizer que ninguém está livre dos micróbios. Eles estão em nossas mãos e cabelos e bocas. Estão em minhas calças e camisas e bonés. Estão em minhas doses de vodca, em todas as minhas doses de vodca, desde a primeira até a nona, que creio ser esta. Odeio micróbios, adoro vodca.

Muitas das vezes que passo do limite, algum assunto remoto prende minha atenção. Uma mesa repleta de pessoas e eu só consigo pensar em micróbios. Falam sobre futebol, filmes, passado, futuro. E eu pensando em quantos micróbios estão presentes em minha vodca. Milhares deles, acredito. Amigo, me traz outra dose. Com gelo e limão.

Como eles conseguem falar sobre essas coisas supérfulas quando estamos rodeados de inimigos invisíveis? Pior que qualquer filme de ficção cientifica. Micróbios. Alguém comentou que um cara tomou bala em uma rave e achou que era uma banana. Saiu correndo para não ser descascado, caiu e morreu. Ainda bem que não tomo bala, alguém exclamou. Ainda bem que não vou em raves, pensei.

Meus dedos começaram a se encontrar, raspar uns nos outros. Movimento involuntário, sinal que o efeito está passando. Ei Jon, vamos ao banheiro. Fomos.

Em pé é que se nota o efeito do álcool sobre o próprio organismo. As pessoas parecem tremidas, os rostos meio manchados, o mundo mais colorido. Só costumo interagir com pessoas quando estou nessas condições. Elas me parecem menos burras.

Abrimos a porta do banheiro, entramos na cabine. Me empresta a carteira. Esqueci na mesa. Joga na mão. Não, vai aqui mesmo. Despejou.

- Aí não Jon, caralho. Olha o estado desse banheiro, tem merda para todo lado, imagina quantas bundas sentaram aí hoje. Essa porra está cheia de micróbios.

Não adiantou. Lá estavam duas fileiras de pó branco, de boa qualidade, jogados sobre a tampa da bacia. Me veio uma náusea, um revertério. Quase vomitei imaginando a quantidade de cus que poderiam ter cagado ali. Bem ali, onde agora estava a minha droga.

Não vou cheirar essa porra aí não, eu disse. Acabou só tem isso quer ou não? Foram momentos difíceis. Eu poderia te negado, começado ali a mudar de vida. Sair do banheiro e pedir um guaraná. Acordar no outro dia para fazer cooper, arranjar uma namorada, deixar para atrás toda essa vida sem noção.

- Que se foda. Essa porra aí sangra até meu nariz, imagina o que não faz com esses filhos da puta de micróbios. Cheirei, passei a mão no que sobrou na tampa e lambi.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Suicídio é falta de curiosidade - Quintana

Sua pele enrugava-se na água morna da banheira. Sua cabeça recostada segurava os olhos na mão direita. Uma gilete pendurava-se nos dedos seguros, certos, decididos. Sentia o vazio de seus dias na banheira cheia de água. Sentia o vazio de seus pensamentos na ponta dos dedos de sua mão direita.

Os azulejos brilhavam com a lâmpada do corredor, o espelho refletia a cortina que descansava nas costas daquela mulher que ia se tornando cada vez menor, cada vez menos dentro de si mesma.

Pensava em muito e não encontrava nada que a fizesse soltar a gilete dos dedos da mão direita. Largaria a única oportunidade de fazer algo direito, algo correto. Largaria a única oportunidade de ser corajosa, decidida, segura.

Rasgava, lentamente, num corte transversal, seu pulso esquerdo, e seus atos esquerdos derramavam-se em vermelho na água quente. Rasgava sua vontade de desaparecer. Rasgava sua pele, cobertura de tanta vergonha, decepção, ilusão.

Cansara-se de viver criando histórias na sua cabeça. Cansara-se de satisfazer seus desejos apenas no monte de papéis que escritos se espalhavam pelo chão do seu quarto. Cansara-se de ouvir as pessoas e cansara-se ela própria de si e dos outros.

Gota a gota, sua dor, angústia e tristeza escorriam para dentro da banheira. Sua vida jogava-se na água que lavava sua pele suja e maltratada pela dor. As lágrimas corriam o rosto, os cabelos espalhavam-se pelas costas e ela inerte, lamentava não ter tentado viver.

Um pensamento atrapalhava seu trabalho de libertação. Um pensamento desaconchegava seu corte, seu sangue, suas lágrimas. Lera, algumas horas atrás "Suicídio é falta de curiosidade". O desespero parou suas lágrimas, seu sangue e sua certeza.

Tarde demais. O corpo fixava-se na banheira, os olhos no azulejo que refletia a luz do corredor e a mão, prendia-se nas bordas de um mundo que deixava de existir para a pequena mulher.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Efeito instantâneo

Não sei exatamente seu nome, vou chamar de menina das estrelas. Seus olhos azuis reluziam, sua pele branca quase brilhava com a luz néon. Longos cabelos castanhos, quase loiros, corriam embaraçando-se pelas suas costas. Não estava vestida como as outras. Era só uma blusinha e uma saia e um chinelo.

Bolei milhares de frases para a aproximação, nenhuma boa o suficiente para me fazer ganhar aqueles olhos. Optei pelo mais simples. Oi. Oi. Como você chama? Eu queria muito dar para você. Em um segundo acabou o romance, virou tesão. Como tudo mais naquele lugar.

Cada vez que abriam o box do banheiro, saia um casal. As vezes um trio ou um quarteto. Aquilo não me espantava mais, nem me excitava. Na maioria das vezes estavam somente enchendo o nariz de farinha.

Entramos em um box. Peguei-a pelos cabelos, coloquei os dentes no seu pescoço, a mão entre suas pernas. A Saia subiu, se tornou um cinto.

Espera - ela disse – Só dou para você se me deixar dar um tiro. Que? Cocaína – ela completou.

Olhei com cara de poucos amigos e disse - Não tenho. Então não dou, afirmou. Então não dá. E se foi.

Eu fiquei, lentamente tirei um pequeno pedaço de papel do bolso, abri. Despejei sobre minha carteira, mas não muito. Organizei com um cartão de loja. Esporte Fabiano – O Shopping do esporte. Enrolei o próprio cartão. Cheirei.

Entrou como uma bala, como se estivesse rasgando toda a pele do nariz. Efeito instantâneo. Coração acelerado, pernas moles, olhos lacrimejando. Esse é do bom, pensei, mulher alguma vale isso. E fui atrás de outra.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Junkie

by Mari

Seus cabelos jogavam-se numa poça do banheiro com paredes avermelhadas. A pia ficava longe de seus olhos. Embaçado. Molhado. Ardendo. Suas pernas enroscavam-se no vaso e penduravam-se no cesto de lixo. Imundo.

Suas mãos secavam seu rosto banhado de suor. Não sentia dores, não sentia nada, mas angústia. Uma dor de dentro para fora. A dor que a levara a enfiar a seringa no braço esquerdo, empurrar o embolo e jogar nas suas veias aquela loucura líquida.

Os olhos seguiam as sombras que dançavam pelo vão da porta, trancada. Forçava o corpo a se equilibrar sobre as duas pernas anestesiadas. Seu rosto no espelho era outro. Seus olhos vidrados e fundos tentavam reconhecer o rosto que se contorcia em espasmos.

Jogou a colher, a seringa, seu elástico gasto e vencido e o resto do que a salvaria mais tarde numa sacola de plástico e girou a chave na fechadura da porta.

Um copo de vodka com gelo e limão. Os gomos explodiam entre os dentes apertados pela língua no céu da boca. As luzes explodiam em todos os rostos que olhavam o dela, espantado, olhos quase pulando a face em busca de todas as imagens que dançavam cinzentas no canto de seus olhos.

Abriu os olhos em um sofá qualquer que não reconhecia. Estava com o vestido na cintura e sua bolsa, aberta, no chão. Enfiou a mão no crochê maltratado e não encontrou a seringa e o papel. Correu até o banheiro e um homem jogado nos azulejos azuis tinha a seringa presa no braço esquerdo. Os olhos dele a procuravam e os dela choravam.